quarta-feira, 26 de agosto de 2009

O MOMENTO DE SE UTILIZAR O TAMIFLU É AGORA!

'Le Monde', entrevista com Antoine Flahault, professor de medicina e especialista em gripe:


http://www.lemonde.fr/planete/article/2009/08/26/la-mortalite-directe-du-h1n1-serait-cent-fois-celle-de-la-grippe-saisonniere_1232037_3244.html#xtor=EPR-32280229-%5BNL_Titresdujour%5D-20090826-%5Bzonea%5D

A mortalidade direta do H1N1 seria de cem vezes a da gripe sazonal

Enquanto o hemisfério norte se prepara para enfrentar a pandemia no outono, a progressão da gripe A (H1N1) no hemisfério sul permite avaliar melhor a agressividade do novo vírus. Na Nova-Caledônia o balanço era, na quarta feira 26 de Agosto, pela manhã, de 5 mortes diretamente provocadas pelo vírus, sobre uma população de 250.000 habitantes, dos quais sem dúvida mais de 35.000 haviam contraído o vírus.

Antoine Flahault, professor de medicina e especialista em gripe, fornece ao Le Monde sua análise dos últimos dados epidemiológicos e coloca em foco as idéias recebidas sobre os grupos de risco, as estratégias de vacinação e sobre a utilização do antiviral Tamiflu.

Que dizem os últimos dados epidemiológicos sobre a virulência do H1N1?

A virulência de uma epidemia de doença emergente - quer dizer, sua agressividade - é um dos parâmetros mais difíceis de se avaliar. O que vamos medir? As complicações da gripe, as hospitalizações, ou a mortalidade? Este último indicador é o que menos depende de parâmetros nacionais, como a qualidade dos sistemas de informação, a infraestrutura hospitalar, etc. Mas as coisas permanecem complexas: há três modos de se morrer de gripe. A primeira, em via de desaparecimento nos países desenvolvidos, é a sobreinfecção bacteriana. A segunda é uma pneumopatia viral que suscita uma síndrome de deficiência respiratória aguda (SDRA) e a consequente morte em 50 a 60% dos casos. Nessa situação, de "mortalidade direta", é o vírus que mata. A terceira causa, de longe a mais frequente, é o agravamento de doenças graves preexistentes. Essa mortalidade, que afeta sobretudo os idosos, tornou-se quase irredutível ao longo de cerca de vinte anos. Para a gripe sazonal, essa última modalidade é de cerca de uma morte para cada 1000 infecções nos países ricos.

Para a gripe A, qual dessas modalidade é a mais temida?

Ouvimos frequentemente que a gripe A teria a tendência de matar mais os jovens e menos os idosos. Mas essa talvez seja uma dedução um pouco prematura.

No caso das gripes sazonais, as mortes do terceiro tipo - as que afetam sobretudo os idosos - constituem uma mortalidade "invisível" no momento. Ela só é detectada, nas estatísticas, muitos meses depois da epidemia. A cada ano, depois da passagem da gripe sazonal, o índice de mortalidade aumenta em cerca de 5000 a 6000 pessoas. Para esse tipo particular de mortalidade, os efeitos da gripe pandêmica não deveriam ser inferiores àqueles da gripe sazonal. Mas ainda é cedo demais para detectá-los.

No entanto, 50% dos casos de gripe A afetam os indivíduos de menos de 20 anos...

É verdade, mas isto acontece também com a gripe sazonal! Na França, 50% dos casos de gripe sazonal ocorrem igualmente entre os menores de 20 anos.

Não existe, portanto, categorias de pessoas "de risco"?

A mortalidade que estamos vendo hoje é essencialmente a MORTALIDADE DIRETA, devida à SDRA. Ora, esses óbitos parecem ocorrer de maneira quase aleatória na população contagiada pelo vírus, ainda mais frequentemente entre os jovens. No caso da gripe sazonal, muito poucos casos de SDRA são relatados, e não podemos recorrer a estatísticas para dizer que tal grupo está mais exposto que o outro. Os centros de controle e de prevenção de doenças de Atlanta publicaram nesse verão a descrição de dez casos de gripe A com óbitos por SDRA, dos quais nove eram obesos. Essa obesidade grave poderia representar um fator de risco potencial, fato desconhecido até então. Da mesma maneira, 13% das mortes por gripe A nos EEUU atingiram mulheres grávidas, a maior parte das quais morreu pela SDRA. Elas também poderiam representar um grupo de risco.

Qual é a frequência dessa mortalidade direta pela SDRA?

Para a gripe sazonal, podemos estimar um caso por milhão, senão menos. Na França, temos em média 5 a 6 milhões de casos de gripe sazonal a cada ano e, que eu saiba, não mais de 5 a 6 óbitos por SDRA devidos a essa doença.

Para a gripe A temos hoje situações melhor documentadas. Na Nova-Caledônia, quando ainda estávamos em 3 casos (agora já estão documentados 5) o governo estimava os casos de gripe A em 20.000 - portanto, sem dúvida, cerca de 30.000 infecções, contando os casos "silenciosos". Na Ilha Maurício, tivemos 7 mortes no serviço de reanimação, dentre 15.000 casos declarados - mas, pelo que ficamos sabendo por intermédio dos contatos com o meio médico da ilha, acreditamos que os casos sejam mais numerosos, sem dúvida 50.000 casos, portanto 70.000 infecções. Estaríamos diante de uma doença cuja mortalidade direta - um caso em cada 10.000 infecções - seria certamente bem rara, mas não obstante 100 vezes superior àquela da gripe sazonal (um caso por milhão). Acabamos de fazer essa publicação no 'PLoS Currents Influenza'.

Uma vacinação em massa lhe parece apropriada?

Até os dias de hoje nunca aconteceu de tentarmos utilizar uma vacina como barreira contra uma epidemia de gripe, nem mesmo a sazonal. À exceção do Japão, nos anos 1970 a 1980, e dos EEUU em 1976.

A única estratégia que hoje conta com uma sólida experiência no domínio da gripe é a da proteção das pessoas sob risco de contrair a doença. O conhecimento desse vírus poderia modificar a definição desses grupos: sempre, e sobretudo, os idosos ou os vulneráveis; os profissionais da saúde, e finalmente as novas categorias que evoquei: os obesos mórbidos e as grávidas.

Não haveria portanto razões para modificar essa estratégia?

Infelizmente sim, haveria muitas razões, teóricas, e acabamos de as publicar no 'BMC Infectious Diseases'. Uma estratégia de massa, imunizando um terço da população mundial, teria permitido barrar a rota da pandemia. Mas não acredito ser possível propor tal estratégia a partir de meros resultados de modelos matemáticos, sem antes ter tentado testar sua validade na população. Seria uma espécie de aventura tentar lançar-se numa estratégia totalmente inovadora face à gripe A, enquanto ela ainda não puder, ao menos, ser tentada na gripe sazonal. Poderíamos nos confrontar com efeitos secundários? Não podemos excluí-los. Depois de uma campanha de vacinação em massa, a aparição de doenças nas semanas seguintes correm o risco de serem atribuídas, mesmo que erroneamente, à vacinação. Isso aconteceu com a vacina contra a hepatite B, quando surgiram casos de esclerose em placas: ninguém se incomodou em ir rastrear sua origem. Isso acarretou num descrédito durável a respeito da vacinação contra a hepatite B.

O que fazer do Tamiflu?

Temos escutado que ele deveria ficar reservado para os casos graves ou complicados, o que me espanta um pouco, pois os únicos testes clínicos disponíveis jamais se referiram à prevenção de complicações ou de mortalidade. Sua utilização tem sobretudo um âmbito coletivo, pois ele é eficaz para fazer com que a carga viral se reduza, bem como a duração dos sintomas, e portanto a circulação do vírus na população. O Tamiflu também é eficaz como tratamento preventivo. Até agora surgiram poucas resistências, O MOMENTO DE UTILIZÁ-LO, PORTANTO, É AGORA, pois para o futuro há o risco dele tornar-se inútil por muito tempo.

27/08/2009, Le Monde, Stéphane Foucart et Hervé Morin

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