quarta-feira, 26 de agosto de 2009

O TAMIFLU É PARA USO COLETIVO!!!

http://blog.ehesp.fr/le-tamiflu-se-joue-collectif/
O TAMIFLU É PARA USO COLETIVO
Antoine Flahault (Tradução do francês: Maria Lopes da Silva)

"Será que nesse momento a origem da recomendação do Tamiflu em caso de pandemia de gripe não está sendo esquecida? Vamos analisar esse produto: o oseltamivir. Ele não é um 'virucida', é apenas um 'virustático'. Ele não mata o vírus, mas impede sua replicação na célula (os vírus só conseguem se multiplicar depois de terem infectado uma célula, diferentemente das bactérias). Assim, para ser eficaz ele deve ser administrado o quanto antes possível, antes que o vírus se multiplique muito no organismo que infecta. Os ensaios clínicos jamais demonstraram uma eficácia extraordinária do produto, longe disso, pois em média o tamiflu reduz em um dia a duração dos sintomas, baixando significativamente a carga viral no paciente, que assim excreta menos vírus do que quando lhe é administrado um placebo. Quanto mais precocemente o produto for administrado na história da infecção, mais eficácia em termos de redução de duração e de carga viral se faz notar. Essa eficácia sobre a gripe foi considerada pela comissão da transparência da França como trazendo uma relação custo/benefício insuficiente para que se propusesse seu reembolso em 70% pelo seguro-saúde, em caso de gripe sazonal.

Mas em caso de gripe pandêmica, tudo muda de figura - e é isso que talvez tenha sido mal explicado ou, de todo modo, mal compreendido. A lógica que prevalece em sua recomendação de utilização pela Organização Mundial da Saúde em caso de pandemia fundamenta-se essencialmente sobre resultados de modelos matemáticos. Esses modelos nos ensinam que, para que a pandemia se propague, é preciso que a taxa de reprodução seja superior a 1. A taxa de reprodução é o número de casos secundários gerados por um caso-índice. Ora, a teoria matemática das epidemias nos ensina que a taxa de reprodução é o produto de três parâmetros: a probabilidade de transmissão do vírus entre um indivíduo infectado e um indivíduo neutro, o número de contatos com o sujeito infectado e a duração do período de contágio.

Assim, o Tamiflu, se não é um medicamento miraculoso a nível individual, pode ter um efeito bem maior sobre o plano da coletividade. Ele reduz a probabilidade de transmissão, diminuindo a carga viral no indivíduo que o tomar a título de se curar,
ou para diminuir o risco de contaminação - efeito igualmente comprovado pelos ensaios clínicos efetuados em quem o toma a título preventivo. O Tamiflu reduz, desse modo, a duração do período contagioso. O período contagioso, na ausência do Tamiflu, é estimado em média em 2,6 dias. A redução de 1 dia representa uma ação sobre a taxa de reprodução da ordem de 30%. É isso o que se visa com a utilização maciça do Tamiflu logo no início de uma pandemia. Temos total consciência de que o vírus encontrará formas de passagem, pela seleção de cepas resistentes no final (acabamos de saber da primeira notificação de uma tal mutação na Dinamarca). Mas contamos com a esperança de que esse final (aquele em que um grande número de cepas estarão resistentes) acontecerá o mais tardiamente possível, aguardando a chegada da vacina. Em virtude de não termos a vacina, a OMS recomenda envidar todos os esforços
possíveis para uma utilização maciça do Tamiflu, tanto curativa como preventivamen-te, seja qual for a natureza dos sintomas, a cada vez que o vírus for identificado e que suspeitemos fortemente de sua circulação. Uma equipe (Ferguson N et coll, Nature 2005, resumo disponível gratuitamente) havia mesmo sugerido, sempre a partir de um trabalho de modelização (em silico), no computador, que seria possível conter a expansão de um surto pandêmico de gripe - na época pensávamos no H5N1 - se utilizá-
semos maciçamente todo o arsenal disponível para reduzir a probabilidade de transmissão, aumentar a distância social entre os indivíduos (fechamento dos locais públicos, dos aeroportos), diminuição da duração do período contagioso pelo uso de antivirais, de anti-tussígenos, uso de máscaras, higiene das mãos. Isso não foi tornado possível na América do Norte, e não esperamos mais conter a epidemia fora das nossas fronteiras; tentamos, contudo, limitar a extensão dela pelo maior tempo possível. Estamos em vias de perder a origem desse arrazoado, que é o que havia levado à constituição dos estoques de Tamiflu. As empresas multinacionais do medicamento exercem tal capacidade fantasmagórica sobre a população, que preferimos ver em suas decisões o cinismo e a busca por lucros, um pouco como acontece com a indústria de armamentos. Mas no fundo, a Roche não é uma indústria de armamentos, para lutar contra uma pandemia que não parou ainda de nos surpreender? Logo será a vez de outras usinas de armamentos, as dos fabricantes de vacinas, submeterem-se à dura prova da realidade e da opinião pública, quando sobrevierem os efeitos secundários mais ou menos fáceis de imputar - ou não - à vacinação antigripal, ou talvez quando for necessário escolherem-se os grupos prioritários que se submeterão à vacinação, pois a liberação dos estoques nunca acontecerá na velocidade adequada, aos olhos dos cidadãos.

A atitude dos EEUU em relação ao Tamiflu é mais preocupante ainda, em virtude de outros países arriscarem-se a segui-la, de tal modo ela parece razoável aos clínicos que a sustentam, até mesmo na França. Vimos que a recomendação de utilização do Tamiflu ao início de pandemia não repousa sobre argumentos clínicos, mas têm sim um caráter de epidemiologia teórica, que fazem dele um medicamento de saúde pública, a mesmo título que a vacina da rubéola para o rapaz. As autoridades norte-americanas propõem agora a restrição no uso dos antivirais aos "pacientes com risco de complicações de gripe". Isso é desviar totalmente sua utilização prevista para tornar mais lenta a expansão da pandemia! Além do mais, não há nenhum ensaio clínico que eu conheça que tenha ao menos comprovado a eficácia do Tamiflu ou do Relenza na prevenção das complicações da gripe. Nem na sua mortalidade. Os defensores da "evidence based medicine" (a medicina fundada em provas científicas) se comprometem hoje a propor uma utilização de um produto, sem que haja fundamento científico sólido para tanto!!! Mas vocês irão compreender a lógica subjacente a esta atitude: talvez seja preciso ir olhar os estoques disponíveis nos EEUU, para então constatar que quando mais de um milhão de pessoas tiverem sido contaminadas nos EEUU pelo vírus da gripe pandêmica, talvez não haja estoque suficiente disponível para todos. Um comunicado concentrando o interesse de sua utilização a segmentos mais restritos da população permite evitar movimentações de pânico, a ruptura prematura dos estoques e até mesmo o descontentamento da população em face de suas autoridades, menos prevenidas que as de outros países desenvolvidos."

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